2003, Volume 5 - Nº 2, Julho - Dezembro

Editorial

Rui Coelho

Brief supportive-expressive psychotherapy in a systemic lupus erythematosus (sle): changing themes and psychological distress

Maria Dritsa, Patricia L. Dobkin, Deborah Da Costa, Paul R. Fortin, John M. Esdaile, Ann E. Clarke

The aim of this study was to describe the process of Brief Supportive-Expressive Group psychotherapy provided to women with systemic lupus erythematosus (SLE) in the context of a randomized clinical trial. A secondary objective was to contrast baseline characteristics in patients whose psychological distress decreased over time compared to those who remained distressed. Sixty-two women with SLE participated. Thirty-five reported clinically significant psychological distress at study entry. Therapists rated predominant themes, affective expression and emotional processing after each session. Emotional processing increased significantly over the course of therapy (F=33.44, p<.02). Women with more severe and generalized distress at baseline were less likely to show improvements at the 6 month follow- -up (t= -3.14, p<.005). Baseline disease activity or damage did not differ between patients who were no longer clinically distressed at 6 months follow-up and those who remained distressed.

Risco psiquiátrico na puberdade adiantada

Celeste Malpique, Raquel Q. Lima, Dulce Soeiro, Luísa Confraria

Objectivos: Verificar se a puberdade adiantada é um factor de risco psiquiátrico para a depressão e perturbações do comportamento alimentar analisando as seguintes variáveis: reacção da menina com puberdade adiantada à menarca e às transformações corporais, desvios do índice de massa corporal, tipo de relação mãe-filha, qualidade do apoio paterno e estrutura familiar. Metodologia: Estudo analítico de uma amostra de 46 adolescentes do sexo feminino com idades ≥11 e ≤16 anos que apresentaram uma puberdade adiantada (menarca entre os 8 e os 11 anos), através da utilização do Inventário de Depressão para Crianças, da Escala de Auto-conceito para Crianças, do Teste de Machover e de uma entrevista semi-estruturada com a mãe; comparação de 37 destas meninas com 11-14 anos com uma amostra clínica de 31 meninas com 10-14 anos, escolhidas aleatoriamente quanto à idade da menarca. Resultados e Conclusões: As adolescentes com puberdade adiantada são mais vulneráveis à sintomatologia depressiva (p=0,001), tendem a apresentar um baixo auto-conceito (p=0,021) com uma percepção mais negativa acerca do seu comportamento (p=0,003), estatuto intelectual (p=0,052), aparência física (p=0,010) e desenvolvimento físico se comparado com o dos pares (p=0,009). A maioria destas adolescentes apresenta uma má aceitação da menarca (56,5%), o que se correlaciona com as mães superprotectoras e dominadoras (p=0,006), cuja aceitação da menarca das filhas é igualmente má (p=0,013). As adolescentes das famílias em que o pai está presente expressam com maior frequência (p=0,006) o sentimento de ter um desenvolvimento físico semelhante aos pares. Não foi encontrada correlação entre os desvios do índice de massa corporal (IMC) e a imagem corporal.

Da perturbação obsessivo- -compulsiva às distonias primárias: mecanismos neurobiológicos comuns?

Bernardo Barahona Corrêa, Paulo Bugalho, João Guimarães, Miguel Xavier

Embora durante décadas se tenha atribuído uma etiopatogenia psicogénea às distonias primárias, investigações recentes nesta área têm vindo a demonstrar a existência de alterações neurofisiológicas a vários níveis do Sistema Nervoso Central, sugerindo uma disfunção dos gânglios da base, com consequente incapacidade de inibir planos motores inadequados e diminuição da selectividade da contracção muscular. Com os progressos das neurociências, sobretudo da neuro-imagiologia, tem vindo a ser igualmente aprofundada a compreensão da fisiopatologia da perturbação obsessivocompulsiva – um dos modelos fisiopatológicos propostos inscreve também esta perturbação num espectro neuropsiquiátrico de disfunção dos gânglios da base e das suas conexões corticais. É assim plausível a associação entre patologia obsessivo-compulsiva e distonias primárias. No entanto, os estudos efectuados até à data, frequentemente baseados em amostragens diminutas e metodologias inadequadas, têm produzido resultados contraditórios, o que torna mandatório a realização de novos estudos nesta área.

Estimativa do número de toxicodependentes utilizadores de via endovenosa no distrito do porto a partir do método “back-calculation

Marina Prista Guerra, Jorge Negreiros

Neste artigo apresenta-se uma estimativa provisória para o distrito do Porto do número de toxicodependentes que usam via endovenosa a partir da utilização da fórmula. "Back-calculation". Este método tem as suas origens em conhecimentos epidemiológicos sobre dois indicadores diferentes, a percentagem entre os toxicodependentes utilizadores de via endovenosa que são seropositivos ao VIH e a proporção de toxicodependentes e utilizadores de via endovenosa entre os seropositivos ao VIH. Tecem-se ainda algumas recomendações e reflexões sobre a aplicabilidade deste método e suas limitações.

Memória

Jacinto Azevedo, JM Soares-Fortunato, Amândio Rocha-Sousa

A presente dissertação pretende rever os vários tipos de memória, a sua formação, o seu substracto neuroanatómico, celular e molecular. A discussão em torno da memória é vasta. Esta pode ser definida como a função que permite ao organismo codificar, armazenar e recordar informação vinda do meio e que lhe é potencialmente útil. Falar de memória é, neste trabalho, falar de cognição, na medida em que a memória subjaz ao pensamento nas suas mais elevadas orquestrações. Porém, a memória tem origens longínquas no tempo, não se retendo somente à cognição como hoje a tentamos entender. O modo como o "input" sensorial é codificado desde circuitos reverberantes até representações neurais é ainda em grande parte desconhecido. Sugere-se a existência de proteínas cujas diferentes formas conformacionais tenham a capacidade de armazenar informação, sendo da interacção entre estas e a restante estrutura neural que "nascem" as memórias. Múltiplos factores neuronais e hormonais intervém na formação desta capacidade.

A psicologia na área da oncologia. Avaliação dos níveis de depressão e ansiedade em doentes com patologia colo-rectal maligna

Sónia Silva Teles, M. Moutinho Ribeiro, Valdemar Cardoso

A bibliografia publicada acerca da prevalência de perturbações psiquiátricas em doentes com cancro mostra uma tendência em direcção a um aumento da frequência de depressão e ansiedade em doentes oncológicos com cancro colo-rectal. O objectivo do presente trabalho foi o de analisar a prevalência de depressão e ansiedade em doentes com carcinoma colo-rectal. Num estudo efectuado no Serviço de Cirurgia- 4 do Hospital de S. João foram incluídos 100 doentes, 50 com carcinoma colo-rectal e 50 sem patologia maligna. Em cada grupo a distribuição por sexos foi a mesma (25 homens e 25 mulheres) e a média de idades foi de 65,7+10,5 anos. Os níveis de depressão ansiedade foram avaliados utilizando a Escala de Auto-Avaliação da Depressão de Zung e a ansiedade através da Escala de Avaliação da Ansiedade de Sheehan. O estudo parece sugerir, em relação à Escala de Auto-Avaliação da Depressão de Zung, uma prevalência de depressão no grupo de doentes oncológicos e não oncológicos com a pontuação, respectivamente, de: ausência de depressão (2-28%); depressão média (6-36%); depressão moderada (6-20%) e depressão grave (86-16%), p< 0,001. Os resultados da Escala de Avaliação da Ansiedade de Sheehan no grupo oncológico e não oncológico mostraram, respectivamente: ausência de ansiedade (2-80%); ansiedade média (16-18%) e ansiedade grave (82-2%), p< 0,001. Em conclusão este estudo mostrou uma larga proporção de depressão e de ansiedade em doentes com carcinoma colo-rectal, comparativamente com doentes não oncológicos. A gravidade destas perturbações psicológicas requerem uma terapia psicológica de suporte, efectuada por um psicólogo integrado numa equipa multidisciplinar, no tratamento de doentes com carcinoma colo-rectal. Palavras-chave: Carcinoma

Vasopressina – papel nos comportamentos, aprendizagem e memória

Mª Conceição Peixoto, Amândio Rocha-Sousa, J. Soares Fortunato

A Vasopressina é um peptídeo produzido em diversos locais, principalmente ao nível do hipotálamo (porção magnocelular dos núcleos supra-óptico e paraventricular). Esta pode atingir os seus receptores específicos de duas formas diferentes: por via endócrina (funcionando como hormona); ou por via neural (funcionando como neurotransmissor). Ao contrário do que poderíamos pensar, as funções da Vasopressina não se restringem à sua acção vasoconstritora, reguladora osmótica, etc.. Exerce também um importante papel ao nível do Sistema Nervoso Central (SNC), nomeadamente na regulação do comportamento sexual, da agressividade, do medo e do stress, bem como na regulação dos processos de aprendizagem e memória. Esta acção, exercida pela Vasopressina, depende da presença ou não dos seus receptores específicos nos locais do SNC onde se desenrolam os processos acima referidos. Esta presença quantifica assim a maior ou menor influência que este peptídeo poderá exercer. O objectivo deste trabalho passa, então, pela análise da relação entre os locais onde existem receptores (locais onde a Vasopressina poderá actuar) e o(s) local(ais) de síntese, tentando, a partir daí inferir a função da Vasopressina nesses mesmos processos. Conclui-se assim que a Vasopressina pode actuar ao nível dos comportamentos sexuais, maternal, da agressividade, do medo e do stress; bem como nos processos de aprendizagem e memória.

Voando sobre um centro de saúde… reflexões sobre a articulação entre a psiquiatria e os cuidados primários de saúde

Miguel Cotrim Talina

O autor enuncia os principais modelos de articulação entre a psiquiatria e os cuidados de saúde primários. Nas equipas de psiquiatria de orientação comunitária que estão sediadas nos Centros de Saúde a qualidade da comunicação com os médicos de família e a definição de prioridades assistenciais são aspectos essenciais. Para a melhoria da comunicação é importante reconhecer os pontos comuns na prática profissional e os conteúdos de informação que necessitam ser trocados entre os médicos de família e psiquiatras. Na definição de prioridades assistenciais deve-se ter em conta as diferentes necessidades terapêuticas dos doentes de acordo com a gravidade da patologia. As intervenções dirigidas aos doentes mais graves devem ser a primeira prioridade porque este trabalho aproveita integralmente os recursos terapêuticos das equipas e tem vantagens únicas para esta população.

Percepção

Nuno Figueiras Alves, Mª João Baptista, J. Soares Fortunato

Mais importante do que sentir é perceber aquilo que sentimos. De nada nos serviria captar todos os estímulos do meio externo se não fossemos capazes de consciencializar um que seja. Percepção consiste em tornar consciente a informação que nos chega ao cérebro pelos neurónios sensitivos. Foram efectuados estudos em animais treinados a identificar odores em que foi registada a actividade neurológica dos componentes do sistema olfactivo em electroencefalogramas. Este método permitiu chegar às noções de onda carrier, mapas de amplitudes e outros processos tais que demonstram e caracterizam a actividade perceptiva. O processo pelo qual o cérebro consegue concretizar esta tarefa não se resume ao funcionamento individual de cada neurónio mas sim a uma intensa interacção desenvolvida por um conjunto de neurónios do bolbo e do córtex olfactivo. Todos os neurónios do bolbo olfactivo intervêm em massa em cada processo de percepção. Estes conjuntos de neurónios, assembleias nervosas, são responsáveis pelo caos cerebral, que se pensa estar na base da percepção e não só; julga-se que a inteligência assente os seus pilares fundamentais na "desorganização orientada" do cérebro. Mais concretamente, as nerve assemblies estão na origem dos burst colectivos que são responsáveis pela existência de ondas de despolarização cujo mapa de distribuição de amplitude estabelece um padrão próprio para cada odor identificado. Cada um destes padrões armazenados no bolbo e córtex, onde se afirma fundamental o reforço sináptico em forma de sinapses Hebb, são "relembrados" sempre que se sinta o odor correspondente. Finalmente, sabe-se que para que todo este processo ocorra há uma profunda cooperação entre o sistema límbico e o sistema olfactivo.

A expressão da hostilidade e factores comportamentais associados à doença cardíaca coronária

Manuela Coelho, M. Céu Gomes

O presente estudo baseia-se nas evidências empíricas que denunciam o traço de hostilidade como o principal factor de risco implicado no padrão comportamental tipo A, previamente aceite como predisponente à doença cardíaca coronária (DCC). Coloca-se a hipótese do efeito patogénico residir numa forma desadequada de expressão emocional que inclui a repressão ou manifestação exacerbada de sentimentos hostis. Além disso, de acordo com a investigação prévia, supõe-se que os factores comportamentais constituem elementos mediadores na relação entre a hostilidade e a morbilidade cardiovascular. Foram administrados instrumentos para avaliação simultânea do padrão comportamental tipo A e das várias dimensões de hostilidade (escalas do MMPI: Tipo A, Inibição da Agressividade, Anger e Cinismo; Ax Scale de Spielberger), bem como um inventário de factores comportamentais e índices fisiológicos a uma população constituída por 60 sujeitos (30 elementos do grupo experimental e 30 do grupo controlo), de ambos os sexos. A análise dos resultados demonstra a viabilidade da hipótese, pois verifica- se uma relação positiva e significativa entre as formas extremas de expressão da hostilidade e a DCC, concretamente nas dimensões de Anger, Cinismo e Anger-In; a escala do Tipo A, por outro lado, não permite distinguir o grupo de doentes coronários relativamente ao grupo controlo. Constatou-se ainda a influência do traço de Anger sobre os factores comportamentais de risco na DCC.

Papel das hormonas tireoideias no desenvolvimento intelectual

Susana Gomes Rodrigues, Miguel Guerra, J. Soares Fortunato

A deficiência de hormonas tireoideias no hipotireoidismo, na hipotiroxinemia e na deficiência de iodo afecta milhares de pessoas em cada ano, principalmente nos países menos desenvolvidos. Na última década, através de estudos efectuados em animais, investigadores conseguiram isolar alguns dos possíveis efeitos da deficiência tireoideia no desenvolvimento do sistema nervoso central. Pensa-se, actualmente, que alterações nas concentrações de T3 e T4 maternas causam danos na ontogénese cerebral. A placenta, como principal meio de comunicação entre mãe e feto, tem um papel importante na passagem destas hormonas durante o primeiro trimestre de gestação, nomeadamente durante as primeiras doze semanas de vida. Estudos recentes revelaram que a ligação da T3 ao seu receptor (TR), e a posterior ligação deste complexo a regiões específicas regulam a expressão de genes ditos cerebrais, que consequentemente afectam o desenvolvimento neural. Assim, genes como a PCP-2, a NSP-A, a MAG, a MBP, no hipotireoidismo materno, poderão ser directamente responsáveis pelas alterações detectadas após o nascimento. A redução da arborização dendrítica, a mielinização incompleta dos neurónios, o atraso na migração neuronal no córtex são exemplos das manifestações de deficiências tireoideias no desenvolvimento neural. Embora, na última década, se tenham desvendado alguns dos possíveis efeitos da carência de hormonas tireoideias no desenvolvimento cerebral, ainda se desconhecem os mecanismos de acção destas hormonas, nomeadamente na neurogénese e nas funções cognitivas e no crescimento somático. Palavras-chave: Receptores

Sono rem e ontogénese

Rui F. Cordeiro Bergantim, Miguel Guerra, J. Soares Fortunato

O estudo do sono tem-se tornado cada vez mais aliciante. Talvez devido à sua vitalidade e importância fisiológica, talvez devido à complexidade e mistério que desencadeia. O sono não é um processo linear e num ciclo sono/ /vigília, identificamos dois tipos de sono – o REM (Rapid Eye Movement Sleep) e nREM (Slow Wave Sleep). Cerca de 20% desse ciclo é passado em sono REM, também chamado de Dessincronizado, Paradoxal, Onda Rápida, Activo, D (reaming). Todas estas designações derivam das suas características mensuráveis através de registos tão diversos quanto o electroencefalograma (EEG), electromiograma (EMG) e electrooculograma (EOG). O sono REM vai ter um impacto muito grande noutras funções fisiológicas, destacando- se o aumento da actividade parassimpática e diminuição do simpático, a atonia dos músculos posturais, a diminuição dos reflexos musculares e respiratórios, ausência da regulação da respiração entre tantas outras. A sua génese, envolvida em muita discussão, assenta sobre o ARAS e na interacção de um conjunto de neurotransmissores cuja excitação/ /inibição condiciona a indução do sono REM. Assim, a serotonina e noradrenalina inibem o sono REM enquanto a acetilcolina, GABA e glutamato o promovem. Sendo a idade, a par da homeostasia e circadianismo, um dos principais factores que actuam sobre o sono REM torna-se fulcral o seu estudo numa perspectiva ontogénica. Os recém-nascidos passam quase 60% de sono em estado REM, diminuindo esse valor para cerca dos 20% que assim se manterá até à velhice. Por outro lado, as crianças apresentam períodos de latência muito pequenos que vão aumentar com a idade e se verificam com maior expressão durante a madrugada. O número de despertares aumenta nesta mesma proporção e ocorre com maior incidência no sono REM. Até à velhice, muitas são as características que se alteram verificando-se a sua deterioração progressiva. Curiosamente e acompanhando essas modificações, aspectos tão simples como a posição em que o indivíduo dorme ou tão complexos como os processos de memória e sonho mostram ser ângulos polarizadores da interacção entre idade e sono REM. Assim, torna-se urgente aprofundar o estudo do sono REM pelo que cada vez mais ele assume um papel de destaque na neurofisiologia e na medicina. O sono REM... não é apenas um estado de um cérebro em repouso...

Placebo – compreender a cura pelo nada

Miguel G. Rocha e Rui Coelho

Desde longa data que o placebo se rodeou de grande polémica. A sua definição, nem sempre consensual; os seus efeitos, difíceis de comprovar e objectivar; e os seus mecanismos de acção até agora praticamente desconhecidos justificam bem a discussão gerada em seu torno. Actualmente, novos estudos e métodos imagiológicos vieram acender uma luz sobre os mecanismos por detrás do placebo. Este artigo tem como objectivo rever os conhecimentos sobre este tema dando um enfoque especial às novas descobertas nesta área.