Segunda-Feira, 12 de Outubro de 2015

Dia Mundial da Saúde Mental

Comemorou-se no sábado, 10 de Outubro, o Dia Mundial da Saúde Mental

Comemorou-se no sábado, dia 10 de Outubro, o Dia Mundial da Saúde Mental.

 

Sabemos que o fim da saúde, mais precisamente o enquistamento da doença, começa na construção de muros que impedem os vasos comunicantes internos de se permeabilizarem uns nos outros.

Uma sociedade em pânico é uma sociedade frágil. Uma sociedade pobremente vinculada é terreno fértil para a doença. A vulnerabilidade do corpo social infiltra-se insidiosamente nos indivíduos que a compõem, predispondo-os a adoecer, enfraquecendo-os no mais fundo de si, ao nível do eixo psico-neuro-imunológico.

O medo do outro, que é diferente de si, leva à rigidificação de fronteiras, enclausurando o sujeito em si mesmo, numa identidade defensivamente construída. Assim, crente na sua independência, o individuo ergue barreiras na defesa de algo que na realidade não tem.

Pelo contrário, a inscrição do sujeito numa continuidade integradora que aceite a diversidade como fonte de saúde é terreno fértil para o desenvolvimento da vida mental, numa lógica de complementaridade que se expande pela relação.

José Barata ensinou-nos que só pode ser verdadeiramente independente quem pôde ser verdadeiramente dependente e Zeca Afonso cantava-nos “em todas as fronteiras, seja bem vindo quem vier por bem”.

O espaço entre nós e o outro só será saudável se funcionar como uma membrana permeável, que permita o desenvolvimento inscrito no terreno relacional. Esta “membrana”, que não sendo muro, também não é ausência, é quem permite a construção de uma identidade que expande a existência ao invés de a restringir.

O vazio relacional, a ausência de um outro em que se possa confiar, desencadeia um sistema de alerta que activa respostas de pânico, patentes, por exemplo, no choro de uma criança que pede que alguém venha ao seu encontro, não para impor uma certeza, mas para lhe desbravar horizontes que se constroem nos terrenos da inter-subjectividade.

Como dizia Kohut, precisamos do outro, primeiro para sobreviver e mais tarde, na vida, para viver bem.

A anulação da diferença conduz à falta de diversidade, à imagem de uma plantação de eucaliptos: aparentemente harmoniosa, seca o terreno à sua volta e impede a sobrevivência de outras árvores.

Cientes que a doença mental e o adoecer social se interpenetram - na quebra de laços, na falta de horizontes, na legitimização do ódio, geradores de isolamento e pobreza - tememos um futuro em que a saúde seja escotomizável pela tendência a agir o medo que a incerteza provoca naqueles que por fragilidade possam cair na tentação de se deixar submeter, que a carência resultante de um passado desvinculado promova a necessidade de se ser guiado omnipotentemente e não na construção de um pensamento livre e autónomo, essência da saúde.

Numa recusa clara de um regresso ao assistencialismo, lembramos que, de um ponto de vista histórico, aquele que sofre de uma “doença mental” foi sempre posto à margem, atirado para o plano do impensável, uma vez que a estigmatização da doença mental está indissoluvelmente ligada ao medo de ver espelhada no outro a fragilidade que não se pode ver em si.

A pessoa que adoece é assim o paciente designado, é o sintoma da disfunção. Escotomizar o sintoma nada mais faz do que expandir o buraco negro.

Se Espinosa considerava a mente como uma ideia do corpo, as investigações mais recentes na esfera das neurociências parecem demonstrar que mente e cérebro são apenas duas formas de falar de uma mesma coisa.

Num mundo em que se privilegia cada vez mais a abordagem funcional, é importante dar de novo voz às emoções e ao brincar, de que já Winnicott nos falava e cujo papel evolutivo tem sido mais recentemente demonstrado pelas neurociências. Uma sociedade que não brinca é uma sociedade que não aprende a se auto-regular, como indicam os recentes estudos realizados por Panksepp.

Como dizia Jean-Paul Sartre, “quando, alguma vez, a liberdade irrompe numa alma humana, os deuses deixam de poder seja o que for contra esse homem”.

Na abordagem da saúde física, mental e social, a multidisciplinaridade não deve ser confundida com polivalência, nem deve ser temida, mas sim defendida como caminho para a integração não totalitária nem absolutista. No encontro das várias partes convergentes e divergentes das ciências e dos diferentes saberes (neurociências, filosofia, psiquiatria, psicologia, psicanálise, psiconeuroimunologia, entre tantas outras) poderá ir surgindo um caminho de aproximação a um Eu que não se esquece de viver, sonhando e criando, num delinear helicoidal de existência harmoniosa.

Tal como Publio Terêncio Afro, dramaturgo e poeta romano, afirmamos:” Somos humanos. Nada do que é humano nos deve ser estranho”.

No seio da SPPS, tem sido desde sempre esse o espírito que nos anima e que nos impele a preservar um espaço em que se continue a valorizar a liberdade de pensamento e de descoberta do outro, uma vez que acreditamos que estes são pilares fundamentais para a promoção da saúde mental.

Pela Direcção da SPPS

Alexandra Silvestre Coimbra; Patrícia Câmara; Sílvia Ouakinin